Matéria do Portal UAI em 08/09/2011
Interesse público nem sempre é prioridade na Câmara Municipal de BH Discursos, troca de farpas, vaidades, votações pela metade, gastos extras, cenas de uma rotina nem sempre marcada pelos interesses da população. O Estado de Minas declara aberta mais uma sessão do Legislativo de BH
Habitam a casa do povo e, ironicamente, são solitários. Com discursos e projetos muitas vezes distantes dos interesses básicos da sociedade, os 41 vereadores de Belo Horizonte atuam quase sempre diante de galerias vazias. Sem plateia, frequentemente "escorregam" de sua atividade em plenário, levados pela vaidade, deixando votações importantes pela metade. Não se esquecem, porém, do clientelismo diário, alimentado em escritórios fora da Câmara Municipal, em troca de apoio político. "Quer aparecer no Estado de Minas?", pergunta João da Locadora (PT), não sem antes dar um cutucão em Paulinho Motorista (PSL), ao ver a repórter fotográfica clicando Arnaldo Godoy (PT). Aproximam-se, com caras e bocas para ganhar espaço na foto. Mas a imagem não vai para as páginas do jornal. Situações como essa, comuns no ambiente de votação e testemunhadas por repórteres, foram selecionadas nos últimos meses pelo EM.
Juntas, traçam um perfil dos eleitos, que no ano que vem se lançam novamente na corrida pelo voto. Todo mês, eles se reúnem em 10 plenárias, iniciadas necessariamente às 15h, mas quase sempre encerradas antes das 18h. Afinal, político tem lá seus compromissos. As cenas aqui narradas têm seu preço: R$ 100 milhões por ano, entre salários (R$ 9,2 mil) e verba indenizatória, motivo de ação movida pelo Ministério Público por suspeita de irregularidades no uso dos R$ 15 mil mensais. Na conta entra também o aluguel do painel de votação, que, trocado recentemente, custou três vezes mais que o anterior. Há também duas máquinas de engraxar sapatos, que saíram a R$ 660 cada. Tudo isso acontece em BH, mas longe do eleitor. E, silêncio, porque vai começar mais uma reunião. E é aberta com a "tradicional troca de gravatas", pois a elegância nem sempre é um compromisso. Às vezes, é obrigação.
Troca-troca de gravatas, ‘em nome do povo’, e queixa de micareteiros
São 15h e um vereador abre a sessão plenária: “Sob a proteção de Deus e em nome do povo de Belo Horizonte, iniciamos nossos trabalhos”. Começa o troca-troca de gravatas, deixadas em casa por muitos, embora obrigatórias na tribuna. Resta pedir uma emprestada ao colega. A pauta está cheia de projetos, mas Paulinho Motorista vai ao microfone para, indignado, queixar-se que a prefeitura o tratou de forma desigual no rateio de convites do Axé Brasil. Paulo Lamac (PT), então líder de governo e hoje deputado estadual, argumenta que todos foram agraciados igualmente: duas entradas para o camarote e 20 para arquibancada. Mas lamenta que, com apenas uma área vip, o Executivo não tenha agradado a todos os micareteiros da Câmara.
2) À sombra das chuteiras
Plenário vira arquibancada com hino do Galo e protesto de americano
Não é só show de axé que leva o Mineirão, onde era organizado, para o plenário. Em vez de discurso, ouve-se até hino de clube por lá. Feliz com a conquista do Campeonato Mineiro 2010 pelo Galo, Paulinho Motorista quis contagiar o público: pôs o celular diante do microfone, apertou um botão e... "Vencer, vencer, vencer / esse é o nosso ideal". Tudo autorizado por Luzia Ferreira (PPS), então presidente da Casa. A vez agora é de Moamed Rachid (PDT). Ao vê-lo, corre o burburinho entre os assessores: “Veja quem apareceu”. Os números explicam: até maio, ele havia faltado a quase metade das plenárias. É hora de discursar e o pedetista, ignorando a pauta, choraminga: “Os times pequenos são sempre roubados”. Americano, ele fora à Câmara protestar contra a arbitragem de jogo contra o Atlético.
3) Engraçadinho
Honra defendida ao microfone e histórias da infância jamais esquecidas
Ele chega minutos depois da hora marcada para a plenária. Já encerrada por falta de vereadores, suspira, como se não fosse um dos ausentes: "Esse povo não toma jeito". Está sempre de terno, sapato social e... chapéu. Moreno alto, não é apenas o estilo que chama a atenção em Geraldo Félix (PMDB). É a oratória também. Situação rara, todos param para ouvi-lo. Acusado por um colega de receber propina para aprovar construção de um shopping, Félix prometeu ao plenário "lavar sua honra" contando sua história em 15 capítulos, embora tenha gastado 21. "Abandonado pelos amigos" foi o título que deu a uma de suas parábolas, para ilustrar a "traição" do delator: aos 13 anos, quando a Lagoa da Pampulha era limpa, pagou refrigerante aos amigos que nadavam com ele. A bebida foi paga com gorjeta que Félix ganhou depois de ter recuperado para um casal a tampa de uma câmera fotográfica que havia caído na água. Mas os ''ingratos" aproveitaram sua distração e foram embora num caminhão. ''Até hoje sinto que o que fizeram comigo."
4) Eles gostam de apanhar (?)
Em briga de marido e mulher… roupa suja lavada em plenário
Também com a "honra ferida", Cabo Júlio (PMDB) fez questão de abrir em plenário, uma arena de debates públicos, sua vida privada. Microfone em punho, contou como, antes de chegar à tribuna da Câmara, uma história de marido e mulher passou pela delegacia. Foi ele quem chamou a polícia, acusando a ex-mulher de tê-lo agredido com arranhões nas costas, braços e rosto. Ela rebateu, em depoimento: o ex-marido a teria arrastado pelos cabelos. O pivô da discussão teria sido uma namorada do parlamentar. Avisada por uma funcionária de Júlio de que a rival estaria em casa com o vereador, a ex-mulher teria decidido estragar o café da manhã do casal. O resto, não precisa nem dizer.
5) Núpcias de fogo
Recém-eleito, presidente tem que administrar de tudo, até brigas
Não é só com ex-mulher que vereador briga. Às vezes, a calmaria dos causos dá lugar a brigas ferrenhas no plenário. Léo Burguês (PSDB) mesmo teve “núpcias” agitadas, depois de ser eleito presidente da Casa, com a ajuda do prefeito Marcio Lacerda. “Respeito o Paulinho Motorista (PSL) como homem, mas não mais como vereador”, disse Divino Pereira (PMN) naquela época, explicando que o colega teria cedido à pressão da PBH para eleger Burguês. Motorista deu o troco: “Não te respeito como pastor, já que me desrespeitou”. Foi preciso segurá-los para não saírem no tapa e a reunião foi suspensa por 10 minutos. Cabo Júlio (PMDB) e João da Locadora (PT) também tiveram problemas. Um debate sobre educação já foi quase resolvido no braço. O peemedebista chegou a receber moção de censura pelas palavras contra o petista.
6) Bocas de ouro
Entre um biscoito e um salgadinho na Casa da Dinda, sessão corre solta
Mastigando e em fila indiana, os vereadores saem da Casa da Dinda. É uma saleta anexa ao plenário, à qual só vereador tem acesso. Foram as "regalias" do espaço, com uma mesa enfeitada por salada de frutas, misto quente, salgados e biscoitos finos, que inspiraram seu apelido, uma referência ao luxo da mansão do ex-presidente Fernando Collor em Brasília. Por lá, há ainda a providencial máquina de lustrar sapatos, que, corre à boca pequena nos corredores, tem sua graxa usada também para disfarçar cabelos brancos de vereadores. Enquanto uns matam a fome, pouco se escuta o que se diz no plenário. Um bolinho bate papo, enquanto Leo Burguês (PSDB), que preside a plenária, dá entrevista ao celular.
7) Palavras ao mar
Insistência de um oposicionista ‘desiludido’ acaba virando piada
Caçula na Câmara, Iran Barbosa (PMDB), o único que se diz na oposição, já caiu no berreiro por não conseguir obstruir votações. Calouro nessa arte, ele testa a paciência dos colegas ao pedir verificação de quórum a cada cinco minutos. Para evitar que a sessão seja encerrada, os vereadores correm para registrar presença. Ele não desiste. Em votação simbólica – quando basta erguer os braços –, Iran argumenta: “Não entendi. Quero nova votação”. Os vereadores têm de se levantar e apenas Iran permanece na cadeira. “Não entendi de novo. Como fiquei sentado, não consegui contar os votos", protesta, arrancando gargalhadas de uns e acabando com a paciência de outros. Ao fim de uma semana de tentativas, desabafa, em lágrimas: “Estou desiludido com a política”.
8) Escravos do amor
Ela já passou pela liderança e avisa que ‘é castigo’. Melhor mudar de assunto
Atual líder de governo, Tarcísio Caixeta (PT) passa afoito pela porta do plenário. Suando, ele puxa um colega pela camisa e implora: “Vem votar!”. O petista precisa evitar a obstrução a um projeto da prefeitura. Poderia ser fácil, mas não é. O colega que fora puxado, por exemplo, simplesmente batia papo. Caixeta vocifera na Casa da Dinda, orienta entre as cadeiras. Não por acaso – e depois de ver os petistas excluídos das negociações da Presidência da Casa –, Neusinha Santos (PT), ex-líder, define a liderança como um “castigo” ao seu partido. Vice-campeã em faltas, ela pendurou as chuteiras na função e tem se dedicado cada vez mais ao Twitter. De iPad na mão, comenta de futebol a roupas íntimas. “Acabo de comprar uma lingerie linda. Recomendo", escreveu para seguidores.
9) Perdoa-me por te traíres
Deslize administrativo rende mais tempo para discurso a “infiel”
Pode ter sido falta de atenção. A Câmara manteve o PTC, partido de Pablo Cesar de Sousa, o Pablito, no painel eletrônico do plenário, três meses depois de ele sair de lá. Sob risco de perder o mandato por infidelidade partidária, o vereador não fez questão de avisar a ninguém. E aproveitava a situação. Parece ter contado com o apoio dos colegas, já que, volta e meia, pedia tempo de líder da legenda para falar no plenário. Os eleitores só souberam depois que Ronaldo Gontijo (PPS) o vetou na tribuna: "O senhor não tem partido e, por tabela, fica sem liderança".
10) Bonitinha, mas apressada
Quem não te conhece que te compre. Esforço não compensa
A reunião ainda não terminou, mas Pricila Teixeira (PTB) tem pressa. Arrumada, sai do plenário. Deixa para trás a votação da Lei Ficha Limpa, projeto de grande apelo popular que bane da administração municipal pessoas condenadas por órgão colegiado. “Não vai ficar para a Ficha Limpa?”, pergunta a reportagem. Ela é enfática: “Posso até voltar, mas eles não vão votar”, aposta. “Volta, vereadora! Temos de fazer um esforço”, apela João da Locadora, aproveitando para mostrar-se interessado. Contrariada, ela cede. Minutos depois, o quórum cai. Triunfante, ela se retira, não sem antes dizer: “Não te avisei? Até parece que não conhece meus colegas”. Termina mais um dia na Câmara de BH.
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